quarta-feira, 6 de abril de 2022

A MODA AGORA É SER SHOWRUNNER


Quantas vezes eu me pego lendo matérias sobre o lançamento de uma nova série e lá está o famigerado "crédito" de "showrunner". É um misto de vergonha e indignação por jornalistas que não se prestam a pesquisar as funções dos profissionais envolvidos e produtores e executivos que não ficam sequer constrangidos de carregar uma função que não exerceram. Sim, porque, para além do mico de não terem exercido, vale lembrar que a função de showrunner não é e nunca foi um crédito. 

Eu sei que a nossa realidade está distante da indústria audiovisual americana - ou mesmo europeia, mas já que decidimos importar o título, vale conhecer, nas palavras dos próprios, o que significa a função. Primeiro, pra ser bem didática, aqui vai a definição da palavra no dicionário: show - a série, o projeto, a obra; runner - o condutor. A função, que essencialmente é exercida por autores-roteiristas, diz respeito ao gerenciamento criativo e de produção de uma série. Showrunner, que é creditado como Produtor Executivo ou Produtor (esses sim créditos válidos), é responsável por garantir a unidade artística da obra, por gerenciar o orçamento, as contratações de equipe e elenco e por ser a principal ponte de comunicação com produtores e executivos de canais. 

Sim, é muita coisa, e talvez tenhamos poucos nomes aqui no Brasil que de fato preencham todos os requisitos. Mas daí a banalizar a coisa e sair colocando essa função no LinkedIn como se nada? Por favor, tenhamos um pouco de senso de ridículo. 

O mais importante a saber é que, se você não escreve, não é o autor/criador da série ou não é o roteirista-chefe, nunca abriu um programa de formatação de roteiro na vida, não sabe o que é escaleta, arco de personagem, ponto de virada, ou qualquer outra nomenclatura que basicamente define dramaturgia, ou nunca escreveu uma linha de roteiro na sua vida, não se intitule showrunner. Porque você não é. Ponto. Se você vai jogar o controle criativo na mão de um diretor que não escreve, isso não faz dele um showrunner, muito menos você. Se você é produtor ou faz a supervisão artística de um projeto, você também não é showrunner. Se você é o executivo de canal encarregado do projeto ou o dono da produtora, também não faz de você um showrunner. Se o canal te deu esse título porque você é o dono da ideia ou diretor da série, mas não está todo dia na sala de roteiro tomando decisões sobre as escolhas da sua história, dos seus personagens, ou nunca escreveu uma linha desse texto, você também não é showrunner. 

Precisamos parar de glamourizar a ideia de showrunner. Ao se auto intitular em uma função apenas "porque sim", você não se torna mais inteligente, mais interessante ou com mais poder, você se torna apenas arrogante mesmo. Ao nosso mercado, falta formação, falta humildade, falta abandonar a síndrome do cachorro vira-lata e a soberba de achar que não tem mais nada a aprender. Não há problema nenhum em olhar para o que funciona e adaptar para nossa realidade. Queremos estar entre os grandes, ganhar prêmios, ter nossas séries assistidas e renovadas por muitas temporadas. Mas vivemos um atraso de décadas em relação a outros mercados audiovisuais mais amadurecidos, lidamos todos os dias com a mediocridade de alguns governantes que não respeitam arte e cultura, com o desafio de formar plateias, e de convencer investidores (em sua maioria internacionais) de que somos capazes de fazer mais do que o mesmo. Enquanto não colocarmos nosso ego de lado, arregaçarmos as mangas e colocarmos a mão, de fato, na massa, não tem como a gente amadurecer ou provar nada. Seguiremos abaixando a cabeça para a mediocridade e para a hipocrisia que nos cercam. 

Algumas fontes: 
BENNET, Tara. Showrunners: The Art of Running a TV Show, 2014. 
KALLAS, Christina. Na Sala de Roteiristas, 2016. 
SCOVELL, Nell. Só as partes engraçadas, 2019.

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