quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

EU NÃO QUERO SER COMO BELLA BAXTER

Vamos aos fatos:

1) Bella Baxter é uma criança em um corpo de mulher. Se isso não lhe desperta algum gatilho, já temos um problema. 

2) Bella é tratada como um experimento, por isso, sua vida é controlada e moldada a partir desse contexto. Daí seu desprezo pelo sentimental. 

3) Depois, Bella está lá linda e inocente, explorando sua sexualidade, quando Duncan interrompe esse processo ao molestá-la. Mas Bella, cuja inocência não permite ver a maldade do ato, sai em uma aventura de descobertas pelo mundo com o tal abusador a tiracolo. Enquanto ela serve ao propósito de Duncan, ela é tratada como uma princesa. Mas, quando passa a compartilhar suas descobertas, é desprezada, enganada e acaba em um prostíbulo.

4) Vocês vão me dizer que a estadia de Bella no prostíbulo foi fácil e prazerosa? Claramente, não. O que permite Bella sobreviver à situação é sua racionalidade ímpar, sua capacidade de pensar logicamente, tirando todo e qualquer sentimento da equação.

5) Quando retorna à sua casa, já há uma “substituta” em seu lugar, tão ou mais inocente do que ela própria, presa, da mesma forma, àquele contexto limitador.

Eu fico vendo a comoção em torno da “genialidade” de POBRES CRIATURAS e não consigo deixar de pensar na ironia desse título. Para que Bella exerça sua liberdade, ela precisa ignorar a crueldade de um mundo machista ao seu redor. Um mundo que a considera estranha, mas desde que ela não interfira em seu funcionamento. 

Eu admiro a capacidade de Bella em lidar com tanta racionalidade em um mundo que condena o "sexo frágil", mas não a invejo. Essa capacidade de racionalizar sobre tantas sensações poderia sim privar as mulheres de tanto sofrimento, porém, não sentir nada quer dizer NÃO SENTIR NADA. Mesmo. E não creio que a racionalidade seja capaz de dar conta de uma existência inteira. Os sentimentos e experiências que vivemos criam sinapses que formam quem somos e como agimos. É a nossa capacidade de sentir que faz o mundo não ser tão preto no branco porque o mundo não é preto e branco e na natureza não existem linhas retas.

Então, o que Bella Baxter tem a nos ensinar? Emancipação? Duvido. Sempre que penso nisso, vem um gosto amargo de que mulheres sentimentais não tem espaço nessa emancipação. E sabemos o que acontece com sentimentos reprimidos, não é mesmo? 

Que modelo de empoderamento é esse que estamos tentando vender? 

Bella Baxter me incomoda em muitas camadas. Ela não questiona o universo masculino, ela apenas o ignora e vive apesar dele. Será que esse é o caminho?

Eu quero sim a emancipação, mas que ela possa vir com o direito de sentir, de me emocionar, de me apaixonar, de amar e ser também coração.

Não vejo isso em Bella. Gostaria de ter visto.

Abençoadas sejam as emocionadas porque sentir não é pecado!


Um comentário:

  1. Ainda não vi o filme Pobres Criaturas, mas seu texto me lembrou da incrível e triste história de Cândida Eréndira e sua avó desalmada é um conto de Gabriel García Márquez.

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