quarta-feira, 6 de dezembro de 2023

2023, não preciso da sua retrospectiva!

Este foi um ano especialmente difícil para mim. 
Transição de carreira, instabilidade financeira e mental e muitas, muitas expectativas frustradas. Em meio a um mar de atropelos e quase afogamentos, o número de pessoas dispostas a lutar por mim foi escasso. Sou extremamente grata a todos que toparam a batalha e seguem firmes ao meu lado. 
Tomei conhecimento, do pior jeito, que minha posição profissional importava muito mais do que minha amizade. E que, entre escolher dar voz ao oprimido, preferiram endossar a voz do opressor. 
Percebi que vivi onze anos em uma bolha que apenas me tolerava por conveniência. Passei de “a pessoa empoderada que não tem medo de dizer o que pensa” para “a pessoa desagradável e desequilibrada que não aceita ser contrariada”. 
Fui apunhalada pelas costas por pessoas “amigas” que poderiam ter dito, sem reservas, as mais duras verdades na minha cara. 
Comprei brigas que não eram minhas e fui deixada para queimar sozinha na fogueira. 
Senti na carne e no coração a perversidade de egos feridos e inseguros que não hesitaram em usar de seu lugar de privilégio para me excluir e me calar. 
Foram tantas violências verbais e emocionais que meu corpo e mente colapsaram e me vi internada em uma ala psiquiátrica em que terceiros tiveram que decidir por mim. Sim, pensei em desistir porque a dor se tornou insuportável. Os traumas criados se tornaram gatilhos diários, constantes e paralisantes. Terapia, medicação e carinho da família e amigos ajudam, mas não foram capazes de diluir a dor da perda. 
A perda de viver um sonho almejado, desejado, batalhado com muita resiliência e esperança por anos. Aprendi a importância de confiar em um documento assinado e não em palavras e promessas. 
Não espero compaixão, arrependimento ou qualquer movimento perto disso. Não vou cometer esse erro novamente, mas precisava desabafar em palavras toda a dor que circula em meu corpo como um veneno que me entristece, me adoece e me paralisa. 
Chorei – e ainda choro de dor e me alegro nas pequenas fagulhas de luz que esse sonho concretizado me proporciona. Sei que ainda chorarei muito em 2024, mas torço para que a mudança de ano traga analgésicos e energias curativas. 
2023 abriu uma ferida imensa. 
2024 terá a missão de transformá-la em uma mera e sutil cicatriz.

quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Eu tenho chorado...

Eu tenho chorado pela dor física

Eu tenho chorado pela alma

Eu choro com as imagens

Eu choro com as lembranças

Doces e amargas

Passadas e futuras

Meu corpo dói

Meu coração dói

Eu tenho chorado pelas risadas debochadas

Eu tenho chorado pelo descaso

Eu choro de tristeza

Eu choro de alegria

Agridoce sentimento

Passado e presente

Que faz meu corpo doer tanto

Que me dá náuseas

Que me dá azia

Eu tenho chorado pra expurgar

Pra esquecer

Pra lembrar

Pra resistir

E pra morrer

Eu tenho chorado muito.

quinta-feira, 10 de agosto de 2023

QUAL O VALOR DA CRIAÇÃO?

Será mesmo que o trabalho da criação audiovisual se encerra na folha de papel?


Um dia alguém escreveu uma banana, mas no processo, alguém achou que deveria ser maçã, uva, laranja e no fim das contas, o que estamos vendo na tela é um abacaxi. Bem azedo. Produtos mal resolvidos, equivocados, confusos. Os Frankenstein nossos de cada dia. A essência se perde e o resultado fica aquém. Se é frustrante pro público, imagina para quem criou a coisa e dormiu com ela noites a fio!


Temos acompanhado as greves do sindicato americano de roteiristas justamente pela devida valorização do trabalho da autoria-criadora. E vejam que lá, uma das indústrias mais consolidadas do mundo, autores tem bem mais voz e são contemplados como produtores executivos de suas séries. E mesmo assim, estão reivindicando melhores condições de trabalho e remuneração.


O Brasil adentrou o mercado da narrativa seriada usando o modelo importado do cinema autoral, em que a direção geral é a voz máxima dentro de um projeto audiovisual. Acontece que, na grande maioria das vezes, essa direção entra depois que a série está criada, construída e escrita. Na teledramaturgia brasileira, a pessoa que criou, a pessoa que assina a autoria da novela, é a autoridade máxima da concepção artística. É dela que vem as diretrizes para direção, elenco, arte e o que mais abrange a criação. Obviamente que o diálogo entre entre as partes é uma via de mão dupla e as trocas são necessárias e agregadoras, mas quem segue sendo a guardiã unificadora da criação, até a novela sair do ar, é quem criou a coisa. Você pode até não gostar de novela, mas não pode negar que é um produto sólido que, em grande maioria, não se perde na unicidade de sua essência.


Já as narrativas seriadas não tem esse privilégio. O mercado trata os criadores como simples operários à serviço do papel. Roteiros são tachados de meros guias que deixam de existir uma vez que são filmados. A concepção artística dos criadores não é levada em consideração, existe pouca abertura para o diálogo e a unidade criativa vai se esvaindo a cada nova etapa de produção. Criadores não são contemplados na conversa após o desenvolvimento, raramente estão nos sets de filmagem e, quando muito, são chamadas à ilha de edição para ver o resultado de algo que não poderão opinar. Produtores opinam, executivos de canais opinam, executivos de marketing opinam, diretores, montadores e chefes de equipe opinam, até o elenco opina. Mas a pessoa que criou, escreveu, passou meses gestando a história, os personagens, o universo, criando, dando vida àquela obra, é a primeira peça a ser descartada no processo. E a mais frágil também. Ou porque teve que vender sua alma para seguir pagando seus boletos e não está com saúde pra lutar por seu devido espaço. Ou porque tem medo de ser queimada no mercado como uma pessoa "difícil". Ou porque resolveu não lutar contra essa cultura equivocada de empoderar sempre as mesmas pessoas a fazerem as mesmas coisas porque são "as donas do brinquedo".


Ah, mais a pessoa que escreveu não entende de direção, de montagem, de mercado, de marketing, de coisa nenhuma - eles dirão. Além de ser um equívoco imenso, porque sim, cada vez mais os profissionais tem se preparado para o mercado, tem estudado, acumulado experiências e participado, mesmo que sem ganhar nenhum tostão, do processo todo para garantir uma chancela, o papel da pessoa que escreveu não é dirigir, nem montar, nem vender, nem marquetar sua série. A função dela é garantir que sua criação acompanhe uma unidade criativa, que todas as áreas estejam falando a mesma língua e saibam o que essa pessoa estava pensando em dizer, mostrar, quando criou sua obra. Para as outras funções, já temos pessoas bem competentes contratadas.


Há de se pensar se esse modelo que aniquila criadores no processo de produção é saudável, agregador, se ele promove a dita diversidade ou se ele vai atender às expectativas de um público cada vez mais exigente e letrado. Há de se pensar se será possível fazer a roda girar quando criadores se unirem e abandonarem, literalmente, seus papéis para reivindicar mais respeito, mais espaço, mais diálogo, mais participação.


Talvez, nesse dia, quando a coisa toda colapsar e nem o ChatGPT for capaz de contar nossas histórias, o mercado perceba que o roteiro, a criação, não é apenas um guia, mas a alma de todo produto audiovisual.